O jornal Notícias IBS entrevistou uma das maiores referências no setor de biodiesel no país, o ex-coordenador do Selo Combustível Social do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), Marco Aurélio Pavarino, atual coordenador de Cooperativismo da Secretaria de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário. Ele falou sobre o mercado de biocombustíveis no Brasil, a abrangência do selo, os avanços conquistados e a importância do PNPB para o fomento da agricultura familiar.
Jornal Notícias IBS – Instituído em 2005 por meio do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), o Selo Combustível Social tem como premissa a inclusão social e produtiva da agricultura familiar. Em 11 anos de Selo Combustível Social, quantas famílias já foram beneficiadas e que avanços o senhor destacaria neste processo de inclusão da agricultura familiar?
Pavarino – O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel é hoje uma política consolidada, e o Selo Combustível Social, um instrumento eficiente na inclusão dos agricultores familiares nessa cadeia de produção. Anualmente, cerca de 80 mil famílias participam diretamente do Programa, mas se somarmos a participação nos arranjos do Selo desde o ano de 2008, o número já chega a quase 680 mil. Por ano, são comercializados em torno de R$ 4 bilhões em aquisição de matéria-prima de agricultores familiares ou de suas cooperativas.
Um dos principais avanços neste processo, sem dúvida, foi o aumento da renda familiar que os arranjos do Selo proporcionaram. E, com o aumento da renda, veio a melhoria na qualidade de vida dos agricultores e suas famílias.
Qual é a produção anual de biocombustível no Brasil? E qual o percentual de participação da agricultura familiar nessa produção?
Pavarino – Nos últimos quatro anos foram produzidos em média 3,25 milhões de metros cúbicos de biodiesel anualmente no país. Esse número, que já vem crescendo nos últimos anos, deve ser ainda maior nos próximos anos. Hoje, estamos com o B7, que significa que deve ser adicionado 7% de biodiesel ao diesel de origem fóssil. Até 2019, a obrigatoriedade será de 10%, ou seja, B10. A previsão é que cheguemos a 2020 com o B15. Significa que a demanda de matéria-prima para produção desse biocombustível deverá dobrar.
Estima-se que cerca de 30% da produção de biodiesel do país seja proveniente de matéria-prima originada pela agricultura familiar.
Na prática, o que significa dizer que o biocombustível é uma fonte energética sustentável sob os aspectos ambiental, econômico e social?
Pavarino – Uma das grandes preocupações da humanidade na atualidade é com o aquecimento global. Boa parte desse fenômeno tem como causa o aumento da emissão de gases de efeito estufa, sendo que o principal deles é o gás carbônico. No Brasil, uma das principais fontes de emissão do gás carbônico é o desmatamento, seguido da queima de combustíveis fósseis, como a gasolina e o diesel. É aí que o biodiesel tem seu papel importante. A queima de biodiesel emite até 70% menos gás carbônico do que o diesel comum. Portanto, é um biocombustível de impacto muito menor no meio ambiente.
Se pensarmos na questão econômica, também vamos encontrar um papel importante na produção do biodiesel para o país. Uma parte do diesel que o Brasil consome hoje é importada. Então, quanto mais se utiliza biodiesel na mistura do combustível, menor é a necessidade de importação de diesel, o que auxilia na balança comercial.
O aspecto social está presente desde a criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, quando o governo instituiu como diretriz a inclusão produtiva dos agricultores familiares. É isso que vemos hoje nos arranjos do Selo Combustível Social: milhares de famílias com prestação de serviços de assistência técnica assegurada e venda garantida da produção. Para se ter uma ideia da dimensão da participação atual da agricultura familiar, mais de 90% das empresas que produzem e comercializam biodiesel no Brasil possuem o Selo. São empresas parceiras da agricultura familiar.
No que se refere à legislação, quais foram os avanços no fomento ao mercado de biocombustíveis no país?
Pavarino – Como disse anteriormente, a obrigatoriedade de mistura aumentou significativamente nos últimos oito anos. Saiu de 2% autorizativos para 7% obrigatórios. E vai chegar a 2020 com 15% obrigatórios. Isso traz uma previsibilidade que é essencial para o setor que atua na produção de biodiesel aumentar seus investimentos. É a segurança que o setor sempre demandou.
Os procedimentos nos leilões que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) realiza evoluíram bastante. Basta lembrar que os primeiros leilões eram feitos presencialmente, e hoje são todos por meio eletrônico e on-line. Isso facilitou e agilizou a comercialização de biodiesel no país.
As regras do Selo foram aperfeiçoadas. Novos multiplicadores por região e por matéria-prima foram estabelecidos com o objetivo de equilibrar a distribuição dos arranjos no país. A inclusão da matéria-prima de origem animal foi regulamentada, possibilitando a inserção de óleo de peixe e óleo de frango da agricultura familiar. No próximo ano, devem ser acrescidos novos arranjos entre empresas e agricultores familiares nas atividades de bovinocultura.
Todos esses aperfeiçoamentos permitiram o avanço do mercado de biocombustíveis no país.
Como o senhor avalia a importância de políticas públicas, como o PNPB, no fomento às cadeias produtivas como a do biodiesel, que estimulam empresas privadas a “custearem” a assistência técnica para a agricultura familiar?
Pavarino – Penso que esse é um dos principais acertos do desenho do PNPB e do Selo Combustível Social. Os depoimentos dos próprios agricultores comprovam isso. Eles sabem que terão garantia de comercialização e preço. E, mais do que isso, se sentem seguros com os serviços de assistência técnica durante todo o plantio, desenvolvimento e comercialização da lavoura.
Então, o Programa acertou muito nessa proposição. Na avaliação do governo, os recursos pagos com assistência técnica pelas empresas produtoras de biodiesel não são apenas custos, mas investimentos. Com a assistência técnica, o agricultor produz mais e a empresa tem mais matéria-prima disponível.
Os agricultores familiares que fornecem matéria-prima para as indústrias de biocombustível devem receber assistência técnica, dentro dos parâmetros estabelecidos pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Nesse aspecto, qual a importância da empresa que executa a assistência técnica para o efetivo desenvolvimento dos agricultores familiares?
Pavarino – A PNATER é o instrumento que deve orientar a assistência técnica aos agricultores familiares. Isso também vale para os arranjos entre os agricultores e as empresas produtoras de biodiesel. O objetivo é garantir que, além de inserir o agricultor em um mercado produtivo, sejam observados aspectos de segurança alimentar, sustentabilidade e diversificação. Esses aspectos são fundamentais para a concepção produtiva e de vida dos agricultores familiares. Portanto, a empresa que executa a assistência técnica tem papel fundamental de fazer com que essas orientações estejam nas atitudes e percepções de seus técnicos. A empresa precisa orientar seus técnicos e trabalhar de forma constante na capacitação e formação deles. São eles que farão a diferença no momento de orientar os agricultores em todas as etapas do desenvolvimento das culturas e mesmo além delas.
Qual o principal papel desempenhado pelas indústrias produtoras de biocombustível que obtiveram a concessão do Selo Combustível Social?
Pavarino – As regras estabelecidas para as empresas com o Selo Combustível Social estão descritas em uma Portaria do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Portaria nº 337, de 2015). Ela prevê três grandes obrigações para as empresas: assinar contratos prévios com os agricultores ou suas cooperativas para aquisição de matéria-prima; comprovar que a aquisição dessa matéria-prima seguiu o percentual mínimo definido pelo por região; garantir a assistência técnica aos agricultores contratados. Mas essas são apenas as obrigações legais e normativas. Usualmente, as empresas fazem mais do que isso.
Com os arranjos estabelecidos no âmbito do Selo Combustível Social, as empresas desempenham um papel que serve para aumentar a organização produtiva dos agricultores familiares. Além disso, atuam na orientação e fomento aos sistemas produtivos desses agricultores.
Quais os principais desafios a serem superados pela cadeia produtiva do biodiesel?
Pavarino – A diversificação na produção de matéria-prima é o maior deles. A indústria produtora de biodiesel está fortemente atrelada e dependente do processamento da soja. Isso se estabeleceu naturalmente ao longo dos anos, já que a soja apresenta cadeia produtiva estabelecida, assistência técnica disponível, mercado garantido e, principalmente, escala de produção. Mas a garantia da manutenção do abastecimento regular de biodiesel para o país terá que contar necessariamente com o fornecimento de novas matérias-primas para sua produção. A agricultura familiar pode responder com o desenvolvimento de outras culturas fora do circuito da soja e de grãos.
Outro desafio da cadeia produtiva é a finalização dos testes da indústria automotiva para garantir o funcionamento dos motores com os novos percentuais de misturas que virão nos próximos quatro anos. Esses testes deverão estar prontos em pouco tempo para que a demanda de biodiesel seja assimilada pelo mercado.
A médio e longo prazo, o que é possível projetar para o Brasil no mercado de biocombustível mundial?
Pavarino – Atualmente o mercado interno absorve praticamente toda a produção de biodiesel no país. E deverá ser assim ainda nos próximos quatro anos, já que a demanda interna crescerá de forma consistente.
Mas o crescimento dessa cadeia produtiva no Brasil é irreversível e será rápida. Parte da capacidade de produção das indústrias hoje instaladas está ociosa. E estudos recentes da Embrapa apontaram para a necessidade de aumento de pelo menos mais cem indústrias produzindo biodiesel para dar conta do das metas assumidas pelo Brasil nas negociações internacionais de mudanças climáticas.
Sob esse cenário e, considerando o potencial produtivo brasileiro, a exportação desse biocombustível deverá com certeza figurar entre os negócios do país.